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domingo, 12 de abril de 2020

UMA REFLEXÃO SOBRE "VERITATIS SPLENDOR"


            Nos dias de hoje os conceitos de verdade e moral encontram-se desunidos entre si e sobretudo naquilo que são as normas e comportamentos da convivência humana, ou seja, se a ética é a (pre)posição da moral, podemos verificar que no mundo de hoje, essa noção e tendência está bastante sombria, pois se por um lado a ética trata o conjunto de normas que devem ser postas em prática, a moral é assim, ou deveria de ser, a concretização e a condição desse pressuposto.

            O papel da Santa Igreja na sociedade ganha novos contornos quando nos apresenta Jesus Cristo como o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo14, 2-6). Sabendo que a ética procura o anseio e a fundamentação pela plena qualidade vida e bem-estar, é-nos proposto seguir e conhecer o Cristo Ressuscitado como concretização de vida eterna. Porém, para a sociedade de hoje, a verdade está sobre aquilo que é palpável, fútil e sobre aquilo que é tomado como visivelmente seguro, não havendo margem para a dúvida e se possível, ser controlado à sua conveniência. Por essa razão, Deus deixa de assumir um papel como o centro de vida da pessoa.

            Estas correntes modernistas, que surgiram logo após ás grandes revoluções, surgem como tentativa de negação sobre a lei natural, como se tudo não tivesse a sua própria razão de ser (metafísica), todavia, do nada, nada vem, não pode existir o acaso no plano de Deus. Por outro lado, se há afirmação de que não acreditam naquilo que (co)participadamente da lei natural, possa ser essa lei moral «natural», cai-se, portanto, naquilo que é moralmente inseguro, isto é, num empírico-ceticismo, daí a ânsia e o desejo profundo de realização e concretização.

            A intervenção de Deus é continua e permanente mesmo para além do acontecimento fundamental da história da salvação – Paixão de Cristo. Deus não tem história porque está para lá dos limites da temporalidade inerente ás coisas criadas e de nada adiantaria a revelação ao homem se este não a aceitar, e sem a aceitar, a revelação de Deus não seria possível. Para melhor consolidar o mistério em volta de todo sentido pleno da vida, algo que todos procuramos e ansiamos, apresentamos nesta encíclica de São João Paulo II, a figura de Jesus Cristo como a «imagem do Deus invisível, o primogénito de toda a criação» (Col1, 15) para colocar fim a toda uma filosofia modernista e estoicista.

            A pergunta que se coloca é a seguinte, de que modo podemos confirmar e centrar toda a moral numa «metafísica natural», já que nos dias de hoje mais parece que essa metafísica se centra e se baseia, na simples busca comum do dia-a-dia.
            Ora se Deus, que é "Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo", escolheu-nos antes da criação do mundo, para sermos santos e imaculados aos seus olhos, o Homem é incapaz de conhecer a Deus por si mesmo, porque não pode transpor a barreira que o separa d´Ele, é demasiado pequeno e débil para o conseguir, e só Deus pode quebrar com as barreiras que existe entre o Homem e Ele mesmo, entre a morte e a vida enquanto tal. Movido pelo Seu amor, Deus "desce" à humanidade que tem a Sua máxima expressão na pessoa de Jesus.

            A vida humana só é perfeita nesta perspetiva salvífica por intermédio da pessoa de Jesus Cristo que pelo Seu mistério Pascal, pela Sua morte e ressurreição, se torna o culminar de todo sentido e desígnio da existência humana, percebemos cada vez mais, à medida que o tempo passa, que graças a Deus os acontecimentos são sempre maiores que as palavras, ainda mais quando essas palavras se revelam, se mostram, e se dão como um sinal de esperança para o mundo. No seio da teologia moral, essas palavras são a Palavra encarnada – Jesus, centro de vida cristã.

            Segundo a interpretação de Paul Ricoeur, em que estabelece a relação entre aquilo que é a metafísica, como aquilo que é apresentada ao homem através da palavra, e este, por sua vez, ser a resposta favorável – a moral. Para o autor a ficção não é um irrealismo, ela apresenta-se à própria razão, não é puramente ilógico. No fundo, se quisermos sintetizar, diremos que o Ser se apresenta ao Homem como uma verdade ontológica e cria uma conexão entre aquilo que nos transcende e aquilo que podemos apreender pela revelação que «se faz carne».

            Para Michel Henry, a existência e o sentido da vida encontra-se e está no modo em como se vive, que é o mais importante e, por excelência, procedente do Ser, como que fonte de todas as coisas. Só neste sentido, se percebe a vida, o comportamento de todas as coisas (o agir) e a lógica do Ser, ainda que incompatível com o ser do «eu», é, portanto, inseparável, ou seja, existe uma relação de complementaridade e interdependência. A vida surge pelo mesmo modo em como todas as coisas foram feitas, isto é, o mundo foi criado na perspetiva da ressurreição, nasce e renasce para a vida, assim o homem, fruto da criação de Deus, é feito para a ressurreição em Cristo. É aqui o modo autêntico de vida plena.

            O autor destaca a imanência de Deus no mundo, num plano em que para ser acessível e compreendido, assume a figura humana na pessoa de Jesus de Nazaré, em quem toda a revelação de Deus se consuma – «o Verbo fez-se carne e habitou entre nós» (Cf.Jo 1,14). Jesus confirma aos discípulos que estaria connosco até ao fim dos tempos, isto supõe que Ele é o mesmo Deus que esteve com Moisés, que falou pelos profetas, que fundou a Igreja e que enviou o Espírito Santo para dar continuidade à Sua obra aqui na terra.

            Como membros da Santa Igreja, é proposto, em contraposição à cultura positivista e liberalista enraizada na sociedade, dar o que melhor se tem: a perspetiva salvífica de Deus na pessoa de Jesus como pleno modelo de vida eterna. Se no início, o Antigo Testamento apresentava coisas imperfeitas, não porque Deus faça coisas imperfeitas, mas porque pela sua condescendência, se adapta à imperfeição do homem e lhe vai dando a mão para o conduzir ao mais perfeito – à vida plena e em abundância, é como um professor que primeiro ensina as letras, depois junta-as, lê e escreve até que finalmente esse aluno vai para a faculdade e essa faculdade é Jesus Cristo – Novo Testamento, o qual ressuscitando traz uma novo sentido de vida.
            Atualmente, a noção de verdade na nossa cultura, é relativa e subjetivista, longe dos preceitos de Deus. A Igreja não pretende condicionar a liberdade das escolhas de cada um, mas dá espaço, tempo para reflexão criando na pessoa, a verdadeira liberdade, suscitando na pessoa a alegria da vida eterna em Cristo, colocando o Homem longe de todas as opressões e anseios mundanos.


sexta-feira, 10 de abril de 2020

Cristologia - "Dios Hombre"


Podemos compreender a Cristo eclesialmente desde a confissão da sua filiação à confissão da sua divindade, num processo lento de descoberta; todos os acontecimentos relativos a Cristo podem ser entendidos à luz da fé, pela ação do Espírito Santo e da Igreja. Acreditar na divindade de Jesus de forma experienciada, refletida e vivida no seio da comunidade cristã significa tomar consciência do carácter de revelação de Deus em todos os acontecimentos da vida de Cristo, de forma gradual e construtiva, algo que não seria possível sem essa mesma revelação. Deste modo, torna-se possível confessar a divindade de Cristo como expressão de tudo o que Jesus era.
Essa confissão teve já lugar no Novo Testamento, embora de forma indireta, ou seja, Jesus nunca afirmou ser Deus, antes ser alguém enviado por Deus, que d’Ele vinha e a Ele regressaria, para anunciar o Reino de seu Pai. Viveu assim uma existência humana como Filho, que se entregou à morte em completa obediência. Deste modo, Cristo não fez diretamente uma teologia nem uma cristologia; aliás, aquilo que revelou fê-lo mais com a sua pessoa e as suas obras que com palavras. Mostrou, contudo, um grande conhecimento de Deus, e uma atitude para com os homens, que para os seus discípulos equivalia à autoridade, exigência e juízo de Deus. Este conhecimento valeu a Jesus quer o seu reconhecimento como Messias, o Filho de Deus, pelos seus discípulos, quer as acusações de blasfémia da parte daqueles que não conseguiam conceber este tipo de messianismo. Algumas passagens dos Evangelhos atestam esta autoridade e poder de Jesus, equiparados com a de Deus.
No Novo Testamento são três os textos que chamam diretamente Deus a Jesus (Jo 1,1; Jo 20,28; Heb 1,8-9), enquanto outros encerram de forma implícita essa mesma afirmação, de forma mais ou menos clara, e outros ainda contêm afirmações que podem referir-se quer a Deus quer a Cristo.
A utilização da palavra Theós (θεός) para Jesus, bem como o de Kyrios, Logos, ou Filho de Deus, juntamente com o conhecimento de como Ele proclamou a Revelação e Salvação de Deus para os homens, possibilitam a confissão da divindade de Jesus, e da sua ação salvífica na história. Cristo manifestou-se à Igreja com a autoridade e o poder conferido por Ele, tal como já o havia feito durante a sua vida pública; será desse modo que, no final dos tempos, veremos o Filho do Homem. Jesus é, assim, o Logos do princípio, que encarnou, viveu entre os homens, foi crucificado, ressuscitou e está à direita do Pai, de quem esperamos uma segunda vinda no fim dos tempos; é Filho de Deus, Deus com o Pai, Deus de Deus. Esta confissão aparece já na forma de hino na segunda metade do século I, na chamada “poesia asiânica”; no início do século II, Santo Inácio chama explicitamente Deus a Cristo diversas vezes, como na Carta aos Esmirnenses; o mesmo acontece na 2ª Epístola de Clemente.
Contudo, se os textos bíblicos pareciam apresentar a divindade de Cristo com clareza suficiente, apenas mais de dois séculos depois se conseguiu precisar o seu sentido. No século IV, Fotino e Marcelo de Ancira defenderam, através do fontinianismo, que a filiação de Cristo teria um determinado momento de existência, apenas durante o tempo da revelação, e que após esse momento, ou seja, no final dos tempos, o Logos seria reincorporado ao Pai, distinguindo entre o Logos, que era idêntico ao Pai, e Cristo, que era homem, filho de Maria, e nada mais para além disso. Do outro lado, temos a perspetiva que apresentava Cristo como Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, isto é, não apenas um intermediário, mas um mediador entre Deus e os homens; o Filho seria consubstancial ao Pai, encarnando, padecendo e ressuscitando para nossa salvação.
Jesus é Deus porque é Filho de Deus, por geração eterna, e por compartilhar a mesma vida com Ele. Na encarnação continua a ser Filho, mas agora humanamente através da história, Niceia apresenta Jesus como Filho desde o nascimento à ressurreição; a sua existência filial na história revela-nos a sua filiação eterna, e essa filiação eterna por sua vez é o fundamento da existência filial na história. O Novo Testamento apresenta-nos três nascimentos do Filho: o nascimento eterno do Pai, o nascimento temporal de Maria, e o nascimento para uma humanidade glorificada na ressurreição. O Concílio de Niceia recorre à linguagem da Escritura e à linguagem da filosofia, e ambas apresentam a relação entre Deus e Cristo como uma relação pai-filho, embora não seja uma relação como a dos homens com os seus progenitores, porque a sua filiação é divina, infinitamente superior, e para nós um mistério. Essa filiação transcende todos os parâmetros humanos, ao ponto de podermos afirmar que a relação de Jesus com Deus é uma filiação metafísica.
Isto rompe com todos os pressupostos judeus e profanos, levando a pensar a cristologia não apenas quanto à existência e ação de Deus, mas quanto ao seu ser. Existem quatro modelos fundamentais de pensar em Deus: como ser estático (modelo metafísico), como vida e dinamismo (modelo processual), como ser necessariamente histórico (modelo hegeliano), e como dinamismo relacional em si mesmo, que se expressa e comunica livremente na história (modelo cristão). É este último que encontramos no Símbolo de Niceia – um Deus que é vida e comunicação em si, anterior ao mundo e sem necessidade dele. A sua existência é relacional, na autodoação do Pai ao Filho, e de ambos ao Espírito. Pela encarnação de Cristo, e pela efusão do Espírito, Deus dá-Se a si mesmo neles e integra o homem na sua vida trinitária. Deus assume uma experiência de temporalidade e finitude para nos abrir caminho para a vida eterna, livre dos poderes do mal e do mundo. O Concílio de Niceia, ao afirmar a divindade eternidade e consubstancialidade de Cristo com Deus, inicia uma compreensão trinitária que será completada com a mesma lógica para o Espírito Santo, no Concílio de Constantinopla. Deus é comunicação interna (Trindade), e revelação e doação (encarnação); pela graça, o homem ultrapassa a sua finitude, participando de Deus.

A fé parte da análise da relação de Jesus com o Pai (Abbá), até chegar à sua filiação eterna e consubstancialidade com Deus; Jesus é Filho, e Deus verdadeiro. Deus encarnado torna-se caminho de Deus aos homens, e dos homens a Deus; a encarnação, e o nascimento de Maria permitiu a salvação dos homens, porque O Filho de Deus fez-Se nosso irmão, pela misericórdia de Deus.
Deste modo, o cristianismo assenta na convicção que Cristo é Deus e homem, para nossa salvação; θεάυθρωπος, Deus-homem. O termo aparece pela primeira vez com Orígenes; S. Gregório Nazianzeno explica que com esse termo dá-se uma “síntese” entre Deus e o homem, sem diluir a sua diferença nem fazer surgir uma realidade intermédia entre ambos. Esta união, longe da linha dos profetas e homens divinos, é uma novidade, pois dela resulta um sujeito pessoal único, distinto da união entre Deus e Cristo. Este sujeito único recebeu a sua humanidade por Maria, que por isso é a Theotokos, a Mãe de Deus; para Cristo, Filho eterno do Pai e Filho encarnado de Maria, aquilo que recebe de ambos é igualmente importante, pois é consubstancial ao Pai por geração eterna, e a Maria pela sua conformação geradora e educadora. É o Verbo encarnado, o Deus-homem, com operações teândricas; isto difere das ideias do monofisismo, do nestorianismo, e de princípios platónicos pagãos. A afirmação de Deus-homem antecede uma fórmula posterior: unidade de pessoa e dualidade de naturezas.
A encarnação é um ato particular, que resulta de uma iniciativa e liberdade divinas; não é algo metafísico e universal, como se Cristo fosse apenas uma manifestação daquilo que já acontecia com todos os homens – serem uma manifestação de Deus, ou d’Ele serem irmãos metafisicamente. Cristo encarnou para ser a porta, o caminho, que aproxima Deus dos homens, tornando compreensível Aquele que, por ser longínquo e transcendente , nos era incompreensível. A encarnação é, portanto, um ato particular, único e irrepetível, e não um mito universal; revela-nos o amor de Deus pelo homem e a sua convivência com ele. Deus não precisava de encarnar, mas, ao fazê-lo, mostra-nos a verdade do seu ser: comunicação, dom, relação.
A encarnação parece ser conveniente e necessária, pois nela os homens encontram aquilo com que sempre haviam sonhado: ser como Deus, ou Deus ser como os homens, e que ambos não fossem antagonistas, mas fraternos. É isso que como gesto de amor para a sua criatura inicia a revelação de Deus no Antigo Testamento e consuma Jesus no Novo Testamento. A fé cristã apresenta-nos um Deus feito homem para nos divinizar, pela participação na vida de Jesus, o Filho, pela ação do Espírito Santo. Assim, o cristianismo funda-se na encarnação de Deus, na eucaristia da Igreja e na ressurreição da nossa carne; é positividade, história, pessoa, e não mera ideia, mito ou ideologia. A fé, a oração, a celebração comunitária, a moral evangélica, a obediência à autoridade apostólica, garantem um cristianismo cristão.
A encarnação é um mistério, que ocorre de maneira inefável e incompreensível. Acolhe-se em obediência à revelação de Cristo e à luz do Espírito Santo, sem as quais não é pensável nem exigível, e depois das quais não é demonstrável como necessária. A reflexão teológica mostra que a encarnação não é contraditória, já que prolonga até ao máximo a criação como a doação que Deus faz ao outro do seu ser-razão-liberdade-autonomia. Cristo é a expressão máxima da liberdade criadora e da liberdade criada, e assim Se converte em norma para entender todas as outras relações entre o Criador e a criatura. É a expressão perfeita do que Deus dá e do que o homem recebe; é o cânone de toda a perfeição e liberdade, de toda a relação do homem com Deus. O “homo dominicus” é, assim, na sua existência no mundo, a medida de todo o homem, uma vez que, pelo seu Espírito, nos dá o poder para ser homens novos semelhantes a Ele.


Escatologia - Antropologia Teológica


O estudo sobre a escatologia remete-nos para uma ideia de fim último, como que um propósito ou intenção (extra)ordinária, onde objetivamente se torna um facto, que não somos capazes de dominar todo o processo daquilo que nos é revelado, apenas nos é possível ser compreendido, ser vivido, experienciado e só depois testemunhado.
            Exemplo vivo desse facto, verifica-se quando concluímos que a vida, aqui e agora, não faz sentido se não tivermos um horizonte apontado para o futuro, para a fonte de esperança e Luz Eterna – Cristo. Paulo, na primeira carta aos Filipenses sublinha isso mesmo, que para ele, viver é Cristo e morrer é lucro (cf.1 Flp 21), significa assim, que de uma pessoa com pressupostos enraizados no mundo farisaico, longe de imaginar que a Verdade e a Vida era pessoa de Jesus de Nazaré, cai de todas as suas prerrogativas a caminho de Damasco. Todo este acontecimento coloca um grande sinal/ponto de interrogação da vida de Paulo, suscitando o verdadeiro sentido da vida, levando-o a reinterpretar toda a Torah e passar a ser o perseguido ao invés de ser o perseguidor.
            Tudo indica que a escatologia se explica plenamente na teologia, naquilo que trata sobre o estudo relativo aos acontecimentos, da experiência de um Deus que se dá a conhecer, um Deus que salva e que sempre esteve presente na história da humanidade. Para tal ser compreendido, parte do princípio, e como base de toda a revelação, a pessoa de Jesus Cristo.
            Com a Teologia Liberal, que em nada se compagina com aquilo que dizemos e afirmamos como sendo verdadeiramente cristãos, um Cristianismo entendido como mera pesquisa, isto é, sem fonte histórica de um povo peregrino na sua correlação com Deus, uma história onde a fé não se sobressai, em que a experiência e conhecimento da pessoa de Jesus de Nazaré se resume a meros relatos escritos, ou seja, um estudo da Teologia à moda da modernismo que relativiza a autoridade da bíblia.
            À medida do tempo que nos passa, percebemos cada vez mais que nenhuma palavra é inocente ou sem sentido, ela tem significado, ainda mais quando essa palavra se revela, se mostra, e se dá como um sinal. Essa Palavra, no seio da Teologia é Jesus, é a palavra encarnada, é a Palavra do Antigo Testamento, que veio não para revogar, mas para nos fazer entender que desde sempre viveu no meio da humanidade e tal só vista e compreendida se a ouvirmos pela sua própria voz – Novo Testamento, onde o protagonista de toda a história é Jesus.
            De outra maneira, não faria sentido se Jesus tivesse escrito algum documento, como se ele não fosse o verdadeiro autor de todos eles. Ao invés dos discípulos e dos apóstolos que perceberam que tais palavras não podiam deixar de ficar registadas, pois nenhuma delas, por mais dura que fosse, ficasse sem lugar na história daquilo que é hoje a maior instituição do mundo, a Igreja Católica. Jesus era verdadeiramente convincente, seguro do que dizia e ensinava, de outro modo Ele não seria o Verbo.
            De facto, a história em sentido rigoroso na sua interpretação, contribui fundamentalmente naquilo que é o contributo sobre os relatos de um povo no confronto com a fé de um Deus invisível, contudo não implica a sua desvalorização, pois por mais que o tempo passe e pareça que andemos á deriva, Deus continua a realizar a Sua obra, o que não faria sentido a sua revelação pois terminaria todo o mistério da fé. A história faz-se de um caminhar peregrino na fé e não implica o conflito. Em várias passagens da Sagrada Escritura, vemos relatos onde a fé é uma palavra frequente para Jesus, Lc 17-19 «levanta-te e vai, a tua fé te salvou»; Mc 10,52 «Vai, a tua fé te salvou!». A fé é vivida, hoje e agora, não só pela história, mas pelo Kerigma dos acontecimentos mais marcaram a história da humanidade, concretamente de um povo que o clama, mesmo aqui e agora.
            Para Rudolf K. Bultmann, o Kerigma só é sustentado na fé de Jesus histórico e isso basta, ou seja, o importante é que Jesus existiu na história e hoje ninguém tem a ousadia de o negar. Jesus viveu como homem e tentou balancear a sua divindade pois não só ensinava e pregava, mas também curava e sobretudo criava nos seus seguidores a missão de discipulado. Tudo o que fosse esmiuçar o sentido histórico, confronta-los ou não, isso não importa, o importante é o que Jesus disse.
            Face ao pensamento modernista na tentativa herege de destruir e arrasar toda a história, a Igreja convoca um concilio sob autoridade do Papa João XXIII para colocar um lugar da Santa Igreja no mundo, tocando em temas sensíveis, mas também diretos, por exemplo, o que é a Igreja para o mundo e o que ela tem para oferecer. Sem dúvida que se o homem é criação de Deus, não é verdade então por isso, que a Igreja, que o corpo místico de Jesus Cristo seja só para alguns, pelo contrário, a Igreja é para todos e a maior oferta que poderia dar, é precisamente e simplesmente toda Palavra de Deus. A Igreja é assim reconhecida como o lugar do diálogo, da comunhão do Homem com Deus, é, portanto, um lugar de Graça, a qual nos permite viver o Reino de Deus aqui e agora e, que no final de contas, não se faz assim tão longe.
            Ora se a Santa Igreja é o lugar por excelência do encontro do Homem com Deus, significa que a Igreja é vista como uma via de salvação e como tal, a salvação é para os demais sem exceção. Esta realidade torna-se visível ao mundo, em que por um lado a Igreja é vista como aquela que acolhe a pessoa, a respeita dignamente e por outro lado, acolhe o género humano nas suas diferenças culturais, na sua vida socio-económica, na vida comunitária e política e na união do povo promovendo a Paz. Conduzida pelo Espírito Santo, o papel da Igreja no mundo atual acolhe com solidariedade, respeito e amor toda a família humana e tal só é conduzido à luz do criador, pelo Seu mistério Pascal, morte e ressurreição que se torna o culminar de todo sentido da existência humana. A vida humana só é perfeita nesta perspetiva salvífica por intermédio da pessoa de Jesus Cristo que nos convoca à comunhão e união, de amor ao próximo para uma nova humanidade, uma nova terra para toda a espécie humana.
            Todos são chamados para viver a Santidade, pelo facto de não aderir, não implica, portanto, que deva ser julgado, pois se Deus convida, respeita por isso a liberdade e a Dignitatis Humanae. A Lei ensina o Homem a amar melhor, logo Deus permite o tempo necessário para a reflexão pessoal pois na Sua misericórdia, o Seu amor é infinito, e ninguém parte tábua rasa imune para a realidade divina.

A Liturgia. Como se chegou à Liturgia Romana Pura, quais as suas características.


A palavra Liturgia, é uma palavra demasiado pequena para ser definida e descrita toda a beleza da ação que nela existe. Em traços muito gerais, a liturgia trata-se duma celebração e pressupõe-se de diferentes modos e contextos cerimoniais, por exemplo, Liturgia das Horas à qual presenciei, com muito agrado, no Mosteiro de Singeverga, Liturgia da Palavra, os Cânticos de Laudes e entre outras celebrações, ou seja, é no fundo, um modo de viver Deus acompanhada de ritos, gestos, envolvência total humana no culto da Santa Igreja  que convoca, cria um elo de ligação que nos conduz através da Palavra, à relação e comunicação com o Criador – Deus, Pai.
            O capítulo que me foi convidado a ler e interpretar do autor Romano Guardini – “O Espírito da Liturgia”, Cap. V - a Liturgia considerada como um jogo, de facto, interpretado numa perspetiva mais ampla, tendo em conta o espaço celebrativo e o tempo que nos é vindo e trazido pela Tradição, o jogo é visto nesta relação com Deus através de diferentes modos de união em que o objetivo é participar em qualquer das suas partes porque qualquer uma nos conduz até ao Pai, ninguém fica de fora e ninguém perde, bem pelo contrário, encontramo-nos, reavemo-nos e ganhamos por isso. Permitindo a expressão, jogar com Deus, é ir ás origens como é referido e desejado pelo Concílio Vaticano II, é saber como e onde O encontrar, lidar e se relacionar por meio da entrega verdadeira e espontânea do nosso ser, e tal só é possível se nos deixarmos mover, se nos deixarmos entrar no jogo, se realmente formos como as crianças – puras e espontâneas como quem se vira e corre para a Mãe. A Liturgia permite-nos entrar no jogo do amor onde Deus não se cansa de Seus filhos, nem desiste de nos chamar por diferentes modos e contextos litúrgicos. O espaço sagrado é o lugar privilegiado onde Deus se revela para nós, desperta os nossos sentidos por intermédio da Liturgia sem excluir ninguém nem qualquer uma das partes, pois a Liturgia é inexaurível como um mundo de vida que se apoia sobre si pois a sua razão de ser é Deus.
            O Homem possui todas as faculdades necessárias que nos permite chegar perto de Deus e tal se verifica desde do Antigo Testamento, o desejo de restabelecer a nossa ligação com o Criador.
            A arte não fica de fora deste espaço nem desta temática, porque há intenção e mensagem do autor em que se contemple e se deixe participar e transpor nesse tempo e espaço, que hoje é possível ser vivido à luz da Tradição, daí a importância irmos ás raízes, logo Deus permanece ainda hoje no nosso seio e vive desde sempre na nossa vida. Somos nós que muitas as vezes nos separamos d´Ele, e em consequência disso, a prudência da idade adulta como que tudo tem um fim e que nada é permanente, não entramos nesta harmonia entre a transcendência e imanência, logo nos afastamos do plano salvífico de Deus, não entramos no jogo do amor e em ultima análise, ficamos longe de entender que Deus se estende ao homem através da Liturgia, que está mais perto de nós mais do que conseguimos imaginar.



Quando falamos em Liturgia Romana, leva-nos sem querer a tentar perceber o modo como Roma se coloca geograficamente no centro da vida Cristã. De facto, foi em Roma que os Apóstolos Pedro e Paulo morreram, mas de que modo se tornou tão relevante e marcante?
            Foi em Milão que se deu por determinado e terminada a perseguição aos Cristãos sob a complacência de Constantino, ano 313 (Édito de Milão), o motivo pela qual se deu o término, crê-se que o imperador tenha ganho uma batalha sob a intercessão ao Deus dos Cristãos e tenham ganho alguma benevolência a partir daí e por essa razão. Nesta altura, à qual os Cristãos poderiam professar e confessar com alguma liberdade a sua fé, há uma necessidade também de proteger e zelar tudo aquilo que guardavam, não só a instrução de nosso Mestre, Nosso Senhor Jesus Cristo, como também, alguns livros de caris litúrgico importantes e também outros livros que funcionaram como apêndice ao Cristianismo. O Importante é também realçar os Livros Sacramentários, que eram aqueles livros que continham orações e eram recitados nas missas pelo celebrante, Veronense (apanhado de orações, recitações mais antigas provenientes dos arquivos de Latrão), Gelasiano (Livro dos Sacerdotes) e o Gregoriano (livro do Papa).
            Para tal, os Teólogos da época decidem que a Liturgia Romana Pura deveria de gozar das seguintes caraterísticas: Ser Breve, Simples, Sóbria e Prática. De facto, a intenção é realmente boa dado que nos possibilita ficar na nossa memória, sendo breve, descreve uma mensagem, um acontecimento, uma verdade em poucas palavras, revelando o mais importante. Sendo Simples torna-se bela e pura, é Sóbria porque não nos deixa dúvida, bem pelo contrário, penetra nosso ser como se nos pertencesse. Prática porque se coloca na nossa vida, não se esgota, é inexaurível. Apesar de tudo, passa a ser considerada Liturgia Mista/Contaminada quando se fundiu rapidamente com outras comunidades como por exemplo, Germânia (octos - Alemanha) , os Galicanos (França), Liturgia Ambrosiana (Milão), e no ano 950 é quando nos deparamos com a introdução de acontecimentos que acharam importantes e pertinentes colocar sob a Liturgia Romana Pura. Por este motivo, conseguimos distinguir os modelos e as diferenças entre ambas, que não tinham as mesmas caraterísticas pois eram o oposto, eram longas, excessivas e até mesmo dramática comparativamente com a Liturgia Romana Pura.



Os três tipos de Missa posterior às perseguições (Séc.III), são diferentes formalmente, porém com conteúdos muito próximos umas das outras. São elas, a Missa Estacional (Stacio), a Missa com um grupo menor e Missa Presbiteral.
            Começando pela primeira, pela missa estacional, era realizada pelo próprio Papa que anunciava o lugar para a celebração eucarística mas o ponto de partida era numa Igreja relativamente próxima da pretendida, o que nos faz pensar e nos faz lembrar quando Jesus entra em Jerusalém e é acolhido pelo povo com ramos das palmeiras a abrir e a dec(orar) o caminho, a verdade e a vida, era de facto o reconhecimento da vinda do Messias, o cumprimento da profecia «Regozija-te muito, filha de Sião; solta gritos de júbilo; filha de Jerusalém; eis que vem a ti o teu rei, justo e vitorioso; ele é simples e vem montado num jumento, no potro de uma jumenta.» (Zac9-9)
            Na Missa, todos participavam, escutavam a palavra, ofereciam as oblações, comungavam sob as duas espécies o corpo e sangue do Senhor, havia, portanto, envolvimento pessoal quer na entrega à súplica Eucarística, quer também à aderência ao Cristianismo que estava apenas a começar a desabrochar e a desenvolver-se. Dentro desta simplicidade já era reconhecida e vista a beleza da cerimónia, que nos aproxima do amor salvífico de Deus.
            Relativamente à segunda missa, de grupo menor, faz-nos lembrar aquando na época das perseguições, os primeiros Cristãos, se organizavam e se encontravam nas casas urbanas, de modo a acolherem e receberem o maior número possível de pessoas, chamadas nas Domus Eclesiae e celebravam ali mesmo, adequando assim as divisões da própria casa ao contexto e espaços sagrados da Igreja. Algumas partes dessas casas foram desabadas devido a causas naturais e em outras circunstâncias, a guerras. Contudo, existem partes que foram preservadas e ainda hoje mantemos viva essa memória dos primeiros Cristãos, que apesar de tudo mantinham-se fiéis e se encontravam em nome do Senhor. Á semelhança desse tempo a missa presbiteral era constituída por um certo grupo de pessoas que se reuniam por várias razões, mas agora de um modo livre.
            Por último, temos a Missa Presbiteral, não tão contemporânea quanto o nome de presbitério que nos é de algum modo familiar, só que era celebrada com o Sacramentário e o Lecionário livremente pelo sacerdote, acompanhado de um diácono ou por outro ministro leitor. O contexto da missa não era algo planeado, simplesmente se contemplava o mistério da graça de Deus e é introduzido aqui, o Kyrie (ato penitencial), cânticos antifonais, o Agnus Dei que é uma expressão de referência a Jesus Cristo aquando o sacrificado na Cruz, o Glória e o Credo – símbolo dos Apóstolos.

A vida Critica de Paulo - Da sua origem até ás consequências da sua conversão.


Paulo cresce na cidade de Tarso, uma cidade turca com um certo prodígio no ponto de vista da sua fertilidade e prosperidade, em que a sua localização geográfica contribuísse para tal, pois era a ponte e o porto entre grandes cidades vizinhas, e, portanto, desenvolvia-se de forma favorável e natural. Apesar do seu meio social ser bastante distinto, marcada e afetada pela Helenização, abarcava outras culturas e ensinos diferentes, era conquanto uma cidade estruturada e civilizacional, daí o seu encanto. Paulo como que rodeado de várias ascendências e influências conhece e reconhece as culturas vividas na época, o que ser-lhe-á útil na sua caminhada.
No que diz respeito à educação, formação e conhecimento, acredita-se que era proveniente de família judaica, Paulo afirma-se, seguro e convictamente, como sendo Judeu, embora educado e não criado em Jerusalém, é descendente de família Israelita alumiado de conhecimento, amor à Lei e fidelidade à Tradição. “São Hebreus? Também eu. São Israelitas? Também eu. São descendentes de Abraão? Também eu.” (2Cor11,22). Cresce sob essa Tradição, vive sob as raízes e os seus costumes, inclusive é circuncidado ao oitavo dia conforme os judeus da Diáspora.
            Paulo é uma pessoa conservacionista da Lei, é extremamente fiel à tradição de seus pais, não diz muito de si mesmo, a não ser pelas cartas, e isto revela talvez que a sua preocupação em relação à missão de anunciar a Boa-Nova era maior que a sua própria vida, “Ai de mim se não Evangelizar” (1Cor 9, 16).
            Antes de iniciar a sua jornada, Paulo, homem inteligente que era, tem a brilhante ideia de se proteger e precavem-se recorrendo legitimamente o direito de ser romano, isto é, acredita-se que os parentes de Saulo (nome romano) tenham conquistado de algum modo essa espécie de licença genealógico-romana a que ele pertence, não pelo facto de serem provenientes romanos, mas por os seus parentes e judeus lutarem do mesmo lado por aquilo que lhes pertencia. Acredita-se, portanto, que o prémio e recompensa vitoriosa da soberania romana destaca-se como por exemplo, a atribuição de segurança face aos julgamentos, benevolência face ás impiedades romanas e por isso terem direito de gozarem sem conflito a sua fé. Por outro lado, fornece uma certa importância social, permitindo chegar mais longe para além do baixo clero, pois nem todos fruíam dessa “medalha de honra”. Crê-se, portanto, que de algum modo seria o seu objetivo, não ficar à margem nem à observância do simples e genuíno povo.
            Em adulto leva consigo tudo aquilo que sabe e aprendeu em Tarso, não era homem de viver à custa de ninguém dado que pelos locais onde pausava, ele sabia a arte de fazer tendas e procurava trabalho nesse âmbito. As culturas viventes na sua cidade natal, foram certamente um forte contributo dado que sabia falar e interpretar a língua grega - língua primitiva, o aramaico, embora não se saiba ao certo onde aprendeu, se em casa ou na escola, contudo era uma língua atual nas áreas envolventes e perto da sua região. Aprendeu hebraico e segundo Jerome Murphy - O´Connor fala até que na época de Paulo, existiam escolas Judias e Pagãs que infundiam desde muito cedo, o conhecimento e o respeito pelas instituições do estado e da religião. É muito provável que Paulo tenha frequentado esse ensino, para além da filosofia estoicista enraizada na sua cidade, concluímos, portanto, que Paulo era um homem culto e instruído e que à partida se adaptaria ao meio onde estivesse.
            Em alguns momentos do texto Jerome Murphy - O´Connor salienta e faz referência a Lucas, o Apóstolo que procura saber as origens de Paulo já que, depois de ter sido vergado pelo Senhor, se afirmava como mais um além dos doze. Lucas tenta descobrir as suas raízes e diz que Paulo era cidadão romano, não pela sua intenção, mas por ter descoberto um “Travel Document” que o provasse. Em boa verdade, nada diz em concreto por escrito a sua origem. Lucas aponta certas passagens por exemplo, Paulo quando vai a Roma vangloriar-se como sendo romano (Act 22,27-28), há um certo recuo dos romanos que atestam verdade da sua nacionalização. (Act 16: 36-39). Quer isto dizer que Paulo era considerado um cidadão universal, sem restrições.
            Paulo opta pela Tradição e começa em direção a Jerusalém. A dada altura depara-se com um grupo de Fariseus. Para o nosso apóstolo não era um grupo estranho dado que o seu professor foi Gamaliel - uma figura de destaque e de extrema importância na formação doutrinal de Paulo. Os fariseus eram vistos como um grupo político fortemente envolvido na sociedade e vistos como verdadeiramente zelosos da Lei, os intérpretes e comentadores da Torah, estabeleciam leis sobre a Tradição e Leitura da Lei, ou seja, interpretada ao jeito deles. O problema é que não a interpretavam convenientemente e por isso confrontavam e interrogavam muito Jesus nessa altura, a ponto de ver quando se contradizia ou lhes respondia o que lhes convinha. Mal eles sabiam e desconfiavam que Jesus é a personificação da Lei, do amor de Deus feito Homem. Nem mesmo Paulo, que viveu esse período em paralelo com Jesus de Nazaré, o sonhava.
            Ao longo do texto nota-se que há uma certa preocupação do Apóstolo Lucas na medida em que tentava compreender de que modo Paulo fora iluminado, a ponto pregar mais tarde o Cristianismo dado que inicialmente o perseguia sem limites. Lucas mais uma vez aparece como intérprete de Paulo à semelhança e reflexo dos Fariseus, isto é, a salvaguarda desmedida da Lei, é algo que os Fariseus fariam, com o mesmo espírito fervoroso e tom imperativo. Por outro lado, não menos aceitável no ponto de vista moralístico, Paulo era visto como alguém de alguma supremacia dada a sua cultura, porém marcado pela fama, sexo e violência quando frustrado, algo que não se compagina de todo com aquilo que ele defendia e representava – a Lei dada por Deus a Moisés. Não era propriamente desígnio e mandamento de Deus, não menos ainda Tradição de seus pais.
            Tal brutalidade gerava frustração, a frustração por sua vez conduzia-o, lavando-o à arrogância, e Paulo vendo que a par do Judaísmo crescia e florescia o Cristianismo, não tolera - começa a sua perseguição. A perseguição tem como base, a não aceitação da ressurreição de Jesus, embora os Fariseus acreditassem na ressurreição, Jesus era visto como o seu pior inimigo. Jesus não tinha intenção de criar inimigos, Ele sabia e conhecia o coração das pessoas que o confrontavam, mas educava e fazia a verdadeira leitura da Lei chamando atenção que a leitura e interpretação dos Fariseus sobre a Torah era egocêntrica, ou seja, interpretada ao modo de lhes beneficiar.
            Ora como os Judeus estavam a ser iluminados, movidos e conquistados pelos Cristãos, Paulo não aceitava que o Cristianismo se sobrepusesse ao Judaísmo. “E foi precisamente o que fiz em Jerusalém: com o pleno assentimento dos sumos sacerdotes, meti na prisão grande número de santos e, quando eram mortos, eu dava o meu assentimento. Muitas vezes ia de Sinagoga em Sinagoga e obrigava-os a blasfemar à força de torturas. Num excesso de fúria contra eles, perseguia-os até nas cidades estrangeiras” (Act26 10,11). Tal raiva aos Cristãos, Paulo chega mesmo com autoridade a convocar todos aqueles que guardavam e preservavam a sua fé Cristã. Tal poder e domínio foi permitida e negociada pelo Sumo Sacerdote porque também lhe era conveniente parar com o Movimento Cristão.
            A sua intolerância era tanta que só cegando o seu coração o iria fazer parar. A caminho de Damasco, eis o que acontece, «quando se viu subitamente envolvido por uma intensa luz vinda do céu. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo porque me persegues?» (Act 9,3-4).
            Repentinamente, Paulo dá a volta ao texto e à postura o que não é para menos. O autor, neste capítulo, ressalta determinadas passagens bíblicas redigidas por Paulo que falam do seu encontro pessoal e propósito com Jesus de Nazaré, o ressuscitado. Destaco por exemplo uma das mensagens que me chamou atenção dado o trajeto do Apóstolo Paulo «circuncidado ao oitavo dia, sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, um Hebreu descendente de hebreus; no que toca à Lei fui fariseu» (Fl 3 – 5) ; «Assim posso conhecê-lo a Ele, na força da sua ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos, conformando-me com Ele na morte, para ver se atinjo a ressurreição de entre os mortos» (Fl 3 – 10,12). Paulo lamenta a sua perseguição e considera em vão tudo aquilo que pensa ter ganho e sabido a respeito de Deus e da própria Lei, não vê senão agora interpretar o Cristianismo como sendo verdadeiramente o caminho a seguir, o dever  de remediar a situação e sofrer as consequências disso, até porque Jesus foi claro «Ergue-te, entra na cidade e dir-te-ão o que tens a fazer» (Act 9 – 6).
            Dada a atitude Paulo, que ninguém entende a sua viragem, no entanto não é mais o mesmo dado que é Jesus que vai ter com o Homem e não o contrário. Jesus procura o diálogo com aqueles à qual a sua presença os incomoda e por isso, a intervenção de Nosso Senhor na vida de Paulo precisa de ser analisado e interpretada atentamente.
            O Evangelho ganha uma nova dimensão à mente de Paulo, foi uma mudança radical no seu modo de ver, pensar, agir e ser, o Evangelho como que Revelação Divina, «Com efeito, faço-vos saber, irmãos, que o Evangelho por mim anunciado, não o conheci à maneira humana; pois eu não o recebi nem aprendi de homem algum, mas por uma revelação de Jesus Cristo». (Gl 1 - 11,12) Tal foi a transformação na vida de Paulo que ele se vê no encargo de dizer que Jesus confiou-lhe a missão de anunciar o Evangelho, pois o Evangelho é o próprio Jesus Ressuscitado. A base da Teologia para Paulo é Jesus, o Nazareno que derrotou a morte com a sua morte e hoje vive, tal vivência é tão viva (desculpando a redundância) que Paulo foi inflamado para uma nova vida.
            Paulo parte sozinho para Nabataean (Arábia). Há quem defenda que tenha sido para refletir sobre si mesmo na companhia do Senhor, mas parte com objetivo de anunciar e converter os Nabateus, o que aparentemente não correu muito bem, algo chamou demasiado a sua atenção e porque queria regressar a Damasco e passado ainda três anos, as autoridades o queriam preso. Paulo foge e vai para a capital da Síria – Damasco. Já em Damasco inicia a sua pregação nas Sinagogas, a par com os discípulos, o que não foi fácil dado que havia algum receio em aproximarem-se de Paulo, por outro lado, alguma dificuldade até dar provas verídicas e visíveis da sua conversão ao Cristianismo. Tudo era muito recente e era preciso algum discernimento.            Os Discípulos, sabendo que os Judeus o queriam morto, ajudam-no a fugir da cidade e vai para Jerusalém. Passado algum tempo, já em Jerusalém, Paulo visita Cefas (Pedro) ficando com ele alguns dias a fim de se familiarizar e informar-se com ele, nesse contexto, encontra também um outro apóstolo – Tiago. Depois de alguma reflexão com esses apóstolos chegam à conclusão que a Evangelização deve ser feita, mas em separado, isto é, Paulo, dada a sua universalidade, vai evangelizar por outros territórios a par dos Apóstolos que conviveram com o Senhor. «pois aquele que operou em Pedro, para o apostolado dos circuncisos, operou também em mim, em favor dos gentios». (2Gl 8 – 9) «Só nos disseram que nos devíamos lembrar dos pobres – o que procurei fazer com o maior empenho» (2Gl 10).
            Em conclusão, todas as tribulações de Paulo são superadas com base a experiência do Ressuscitado, no entanto, não se crê que tenha sido tarefa fácil dada as perseguições, dado o contexto onde o Evangelho é anunciado, dado os perigos e condições adversas e obstáculos com que faz as viagens em prol da pregação. Não menos importante, devo dizer, que Paulo sofreu uma transformação doutrinal completamente nova e diferente daquilo que aprendeu ao longo do tempo com e como fariseu, ou seja, internamente poderia gerar conflito se Deus não lhe clarificasse a sua missão, à qual ele foi chamado. Apesar de tudo isto, é vivido com muito acolhimento pois para Paulo o mais importante estava com ele até ao fim da sua vida – Jesus Ressuscitado para Glória de Deus.