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domingo, 12 de abril de 2020

UMA REFLEXÃO SOBRE "VERITATIS SPLENDOR"


            Nos dias de hoje os conceitos de verdade e moral encontram-se desunidos entre si e sobretudo naquilo que são as normas e comportamentos da convivência humana, ou seja, se a ética é a (pre)posição da moral, podemos verificar que no mundo de hoje, essa noção e tendência está bastante sombria, pois se por um lado a ética trata o conjunto de normas que devem ser postas em prática, a moral é assim, ou deveria de ser, a concretização e a condição desse pressuposto.

            O papel da Santa Igreja na sociedade ganha novos contornos quando nos apresenta Jesus Cristo como o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo14, 2-6). Sabendo que a ética procura o anseio e a fundamentação pela plena qualidade vida e bem-estar, é-nos proposto seguir e conhecer o Cristo Ressuscitado como concretização de vida eterna. Porém, para a sociedade de hoje, a verdade está sobre aquilo que é palpável, fútil e sobre aquilo que é tomado como visivelmente seguro, não havendo margem para a dúvida e se possível, ser controlado à sua conveniência. Por essa razão, Deus deixa de assumir um papel como o centro de vida da pessoa.

            Estas correntes modernistas, que surgiram logo após ás grandes revoluções, surgem como tentativa de negação sobre a lei natural, como se tudo não tivesse a sua própria razão de ser (metafísica), todavia, do nada, nada vem, não pode existir o acaso no plano de Deus. Por outro lado, se há afirmação de que não acreditam naquilo que (co)participadamente da lei natural, possa ser essa lei moral «natural», cai-se, portanto, naquilo que é moralmente inseguro, isto é, num empírico-ceticismo, daí a ânsia e o desejo profundo de realização e concretização.

            A intervenção de Deus é continua e permanente mesmo para além do acontecimento fundamental da história da salvação – Paixão de Cristo. Deus não tem história porque está para lá dos limites da temporalidade inerente ás coisas criadas e de nada adiantaria a revelação ao homem se este não a aceitar, e sem a aceitar, a revelação de Deus não seria possível. Para melhor consolidar o mistério em volta de todo sentido pleno da vida, algo que todos procuramos e ansiamos, apresentamos nesta encíclica de São João Paulo II, a figura de Jesus Cristo como a «imagem do Deus invisível, o primogénito de toda a criação» (Col1, 15) para colocar fim a toda uma filosofia modernista e estoicista.

            A pergunta que se coloca é a seguinte, de que modo podemos confirmar e centrar toda a moral numa «metafísica natural», já que nos dias de hoje mais parece que essa metafísica se centra e se baseia, na simples busca comum do dia-a-dia.
            Ora se Deus, que é "Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo", escolheu-nos antes da criação do mundo, para sermos santos e imaculados aos seus olhos, o Homem é incapaz de conhecer a Deus por si mesmo, porque não pode transpor a barreira que o separa d´Ele, é demasiado pequeno e débil para o conseguir, e só Deus pode quebrar com as barreiras que existe entre o Homem e Ele mesmo, entre a morte e a vida enquanto tal. Movido pelo Seu amor, Deus "desce" à humanidade que tem a Sua máxima expressão na pessoa de Jesus.

            A vida humana só é perfeita nesta perspetiva salvífica por intermédio da pessoa de Jesus Cristo que pelo Seu mistério Pascal, pela Sua morte e ressurreição, se torna o culminar de todo sentido e desígnio da existência humana, percebemos cada vez mais, à medida que o tempo passa, que graças a Deus os acontecimentos são sempre maiores que as palavras, ainda mais quando essas palavras se revelam, se mostram, e se dão como um sinal de esperança para o mundo. No seio da teologia moral, essas palavras são a Palavra encarnada – Jesus, centro de vida cristã.

            Segundo a interpretação de Paul Ricoeur, em que estabelece a relação entre aquilo que é a metafísica, como aquilo que é apresentada ao homem através da palavra, e este, por sua vez, ser a resposta favorável – a moral. Para o autor a ficção não é um irrealismo, ela apresenta-se à própria razão, não é puramente ilógico. No fundo, se quisermos sintetizar, diremos que o Ser se apresenta ao Homem como uma verdade ontológica e cria uma conexão entre aquilo que nos transcende e aquilo que podemos apreender pela revelação que «se faz carne».

            Para Michel Henry, a existência e o sentido da vida encontra-se e está no modo em como se vive, que é o mais importante e, por excelência, procedente do Ser, como que fonte de todas as coisas. Só neste sentido, se percebe a vida, o comportamento de todas as coisas (o agir) e a lógica do Ser, ainda que incompatível com o ser do «eu», é, portanto, inseparável, ou seja, existe uma relação de complementaridade e interdependência. A vida surge pelo mesmo modo em como todas as coisas foram feitas, isto é, o mundo foi criado na perspetiva da ressurreição, nasce e renasce para a vida, assim o homem, fruto da criação de Deus, é feito para a ressurreição em Cristo. É aqui o modo autêntico de vida plena.

            O autor destaca a imanência de Deus no mundo, num plano em que para ser acessível e compreendido, assume a figura humana na pessoa de Jesus de Nazaré, em quem toda a revelação de Deus se consuma – «o Verbo fez-se carne e habitou entre nós» (Cf.Jo 1,14). Jesus confirma aos discípulos que estaria connosco até ao fim dos tempos, isto supõe que Ele é o mesmo Deus que esteve com Moisés, que falou pelos profetas, que fundou a Igreja e que enviou o Espírito Santo para dar continuidade à Sua obra aqui na terra.

            Como membros da Santa Igreja, é proposto, em contraposição à cultura positivista e liberalista enraizada na sociedade, dar o que melhor se tem: a perspetiva salvífica de Deus na pessoa de Jesus como pleno modelo de vida eterna. Se no início, o Antigo Testamento apresentava coisas imperfeitas, não porque Deus faça coisas imperfeitas, mas porque pela sua condescendência, se adapta à imperfeição do homem e lhe vai dando a mão para o conduzir ao mais perfeito – à vida plena e em abundância, é como um professor que primeiro ensina as letras, depois junta-as, lê e escreve até que finalmente esse aluno vai para a faculdade e essa faculdade é Jesus Cristo – Novo Testamento, o qual ressuscitando traz uma novo sentido de vida.
            Atualmente, a noção de verdade na nossa cultura, é relativa e subjetivista, longe dos preceitos de Deus. A Igreja não pretende condicionar a liberdade das escolhas de cada um, mas dá espaço, tempo para reflexão criando na pessoa, a verdadeira liberdade, suscitando na pessoa a alegria da vida eterna em Cristo, colocando o Homem longe de todas as opressões e anseios mundanos.