Paulo cresce na cidade de Tarso, uma
cidade turca com um certo prodígio no ponto de vista da sua fertilidade e
prosperidade, em que a sua localização geográfica contribuísse para tal, pois
era a ponte e o porto entre grandes cidades vizinhas, e, portanto,
desenvolvia-se de forma favorável e natural. Apesar do seu meio social ser
bastante distinto, marcada e afetada pela Helenização, abarcava outras culturas
e ensinos diferentes, era conquanto uma cidade estruturada e civilizacional,
daí o seu encanto. Paulo como que rodeado de várias ascendências e influências
conhece e reconhece as culturas vividas na época, o que ser-lhe-á útil na sua
caminhada.
No que diz respeito à
educação, formação e conhecimento, acredita-se que era proveniente de família
judaica, Paulo afirma-se, seguro e convictamente, como sendo Judeu, embora
educado e não criado em Jerusalém, é descendente de família Israelita alumiado
de conhecimento, amor à Lei e fidelidade à Tradição. “São Hebreus? Também
eu. São Israelitas? Também eu. São descendentes de Abraão? Também eu.”
(2Cor11,22). Cresce sob essa Tradição, vive sob as raízes e os seus costumes,
inclusive é circuncidado ao oitavo dia conforme os judeus da Diáspora.
Paulo
é uma pessoa conservacionista da Lei, é extremamente fiel à tradição de seus
pais, não diz muito de si mesmo, a não ser pelas cartas, e isto revela talvez
que a sua preocupação em relação à missão de anunciar a Boa-Nova era maior que
a sua própria vida, “Ai de mim se
não Evangelizar” (1Cor 9,
16).
Antes de iniciar a sua jornada,
Paulo, homem inteligente que era, tem a brilhante ideia de se proteger e precavem-se
recorrendo legitimamente o direito de ser romano, isto é, acredita-se que os
parentes de Saulo (nome romano) tenham conquistado de algum modo essa espécie
de licença genealógico-romana a que ele pertence, não pelo facto de serem
provenientes romanos, mas por os seus parentes e judeus lutarem do mesmo lado
por aquilo que lhes pertencia. Acredita-se, portanto, que o prémio e recompensa
vitoriosa da soberania romana destaca-se como por exemplo, a atribuição de
segurança face aos julgamentos, benevolência face ás impiedades romanas e por
isso terem direito de gozarem sem conflito a sua fé. Por outro lado, fornece
uma certa importância social, permitindo chegar mais longe para além do baixo
clero, pois nem todos fruíam dessa “medalha de honra”. Crê-se, portanto, que de
algum modo seria o seu objetivo, não ficar à margem nem à observância do
simples e genuíno povo.
Em adulto leva consigo tudo aquilo
que sabe e aprendeu em Tarso, não era homem de viver à custa de ninguém dado
que pelos locais onde pausava, ele sabia a arte de fazer tendas e procurava
trabalho nesse âmbito. As culturas viventes na sua cidade natal, foram
certamente um forte contributo dado que sabia falar e interpretar a língua
grega - língua primitiva, o aramaico, embora não se saiba ao certo onde
aprendeu, se em casa ou na escola, contudo era uma língua atual nas áreas
envolventes e perto da sua região. Aprendeu hebraico e segundo Jerome Murphy - O´Connor fala até que na
época de Paulo, existiam escolas Judias e Pagãs que infundiam desde muito cedo,
o conhecimento e o respeito pelas instituições do estado e da religião. É muito
provável que Paulo tenha frequentado esse ensino, para além da filosofia
estoicista enraizada na sua cidade, concluímos, portanto, que Paulo era um
homem culto e instruído e que à partida se adaptaria ao meio onde estivesse.
Em
alguns momentos do texto Jerome Murphy - O´Connor salienta e faz referência a
Lucas, o Apóstolo que procura saber as origens de Paulo já que, depois de ter
sido vergado pelo Senhor, se afirmava como mais um além dos doze. Lucas tenta
descobrir as suas raízes e diz que Paulo era cidadão romano, não pela sua
intenção, mas por ter descoberto um “Travel Document” que o provasse. Em
boa verdade, nada diz em concreto por escrito a sua origem. Lucas aponta certas
passagens por exemplo, Paulo quando vai a Roma vangloriar-se como sendo romano
(Act 22,27-28), há um certo recuo dos romanos que atestam verdade da sua
nacionalização. (Act 16: 36-39). Quer isto dizer que Paulo era considerado um
cidadão universal, sem restrições.
Paulo
opta pela Tradição e começa em direção a Jerusalém. A dada altura depara-se com
um grupo de Fariseus. Para o nosso apóstolo não era um grupo estranho dado que
o seu professor foi Gamaliel - uma figura de destaque e de extrema importância
na formação doutrinal de Paulo. Os fariseus eram vistos como um grupo político
fortemente envolvido na sociedade e vistos como verdadeiramente zelosos da Lei,
os intérpretes e comentadores da Torah, estabeleciam leis sobre a
Tradição e Leitura da Lei, ou seja, interpretada ao jeito deles. O problema é
que não a interpretavam convenientemente e por isso confrontavam e interrogavam
muito Jesus nessa altura, a ponto de ver quando se contradizia ou lhes
respondia o que lhes convinha. Mal eles sabiam e desconfiavam que Jesus é a
personificação da Lei, do amor de Deus feito Homem. Nem mesmo Paulo, que viveu
esse período em paralelo com Jesus de Nazaré, o sonhava.
Ao
longo do texto nota-se que há uma certa preocupação do Apóstolo Lucas na medida
em que tentava compreender de que modo Paulo fora iluminado, a ponto pregar
mais tarde o Cristianismo dado que inicialmente o perseguia sem limites. Lucas
mais uma vez aparece como intérprete de Paulo à semelhança e reflexo dos
Fariseus, isto é, a salvaguarda desmedida da Lei, é algo que os Fariseus
fariam, com o mesmo espírito fervoroso e tom imperativo. Por outro lado, não
menos aceitável no ponto de vista moralístico, Paulo era visto como alguém de
alguma supremacia dada a sua cultura, porém marcado pela fama, sexo e violência
quando frustrado, algo que não se compagina de todo com aquilo que ele defendia
e representava – a Lei dada por Deus a Moisés. Não era propriamente desígnio e
mandamento de Deus, não menos ainda Tradição de seus pais.
Tal
brutalidade gerava frustração, a frustração por sua vez conduzia-o, lavando-o à
arrogância, e Paulo vendo que a par do Judaísmo crescia e florescia o
Cristianismo, não tolera - começa a sua perseguição. A perseguição tem como
base, a não aceitação da ressurreição de Jesus, embora os Fariseus acreditassem
na ressurreição, Jesus era visto como o seu pior inimigo. Jesus não tinha
intenção de criar inimigos, Ele sabia e conhecia o coração das pessoas que o
confrontavam, mas educava e fazia a verdadeira leitura da Lei chamando atenção
que a leitura e interpretação dos Fariseus sobre a Torah era
egocêntrica, ou seja, interpretada ao modo de lhes beneficiar.
Ora
como os Judeus estavam a ser iluminados, movidos e conquistados pelos Cristãos,
Paulo não aceitava que o Cristianismo se sobrepusesse ao Judaísmo. “E foi
precisamente o que fiz em Jerusalém: com o pleno assentimento dos sumos
sacerdotes, meti na prisão grande número de santos e, quando eram mortos, eu
dava o meu assentimento. Muitas vezes ia de Sinagoga em Sinagoga e obrigava-os
a blasfemar à força de torturas. Num excesso de fúria contra eles, perseguia-os
até nas cidades estrangeiras” (Act26 10,11). Tal raiva aos Cristãos, Paulo
chega mesmo com autoridade a convocar todos aqueles que guardavam e preservavam
a sua fé Cristã. Tal poder e domínio foi permitida e negociada pelo Sumo
Sacerdote porque também lhe era conveniente parar com o Movimento Cristão.
A sua intolerância era tanta que só
cegando o seu coração o iria fazer parar. A caminho de Damasco, eis o que
acontece, «quando se viu subitamente envolvido por uma intensa luz vinda do
céu. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo porque me
persegues?» (Act 9,3-4).
Repentinamente,
Paulo dá a volta ao texto e à postura o que não é para menos. O autor, neste
capítulo, ressalta determinadas passagens bíblicas redigidas por Paulo que
falam do seu encontro pessoal e propósito com Jesus de Nazaré, o ressuscitado.
Destaco por exemplo uma das mensagens que me chamou atenção dado o trajeto do
Apóstolo Paulo «circuncidado ao oitavo dia, sou da raça de Israel, da tribo
de Benjamim, um Hebreu descendente de hebreus; no que toca à Lei fui fariseu» (Fl
3 – 5) ; «Assim posso conhecê-lo a Ele, na força da sua ressurreição
e na comunhão com os seus sofrimentos, conformando-me com Ele na morte, para
ver se atinjo a ressurreição de entre os mortos» (Fl 3 – 10,12). Paulo
lamenta a sua perseguição e considera em vão tudo aquilo que pensa ter ganho e
sabido a respeito de Deus e da própria Lei, não vê senão agora interpretar o
Cristianismo como sendo verdadeiramente o caminho a seguir, o dever de remediar a situação e sofrer as
consequências disso, até porque Jesus foi claro «Ergue-te, entra na cidade e
dir-te-ão o que tens a fazer» (Act 9 – 6).
Dada
a atitude Paulo, que ninguém entende a sua viragem, no entanto não é mais o
mesmo dado que é Jesus que vai ter com o Homem e não o contrário. Jesus procura
o diálogo com aqueles à qual a sua presença os incomoda e por isso, a
intervenção de Nosso Senhor na vida de Paulo precisa de ser analisado e
interpretada atentamente.
O
Evangelho ganha uma nova dimensão à mente de Paulo, foi uma mudança radical no
seu modo de ver, pensar, agir e ser, o Evangelho como que Revelação Divina, «Com
efeito, faço-vos saber, irmãos, que o Evangelho por mim anunciado, não o
conheci à maneira humana; pois eu não o recebi nem aprendi de homem algum, mas
por uma revelação de Jesus Cristo». (Gl 1 - 11,12) Tal foi a transformação
na vida de Paulo que ele se vê no encargo de dizer que Jesus confiou-lhe a
missão de anunciar o Evangelho, pois o Evangelho é o próprio Jesus
Ressuscitado. A base da Teologia para Paulo é Jesus, o Nazareno que derrotou a
morte com a sua morte e hoje vive, tal vivência é tão viva (desculpando a
redundância) que Paulo foi inflamado para uma nova vida.
Paulo
parte sozinho para Nabataean (Arábia). Há quem defenda que tenha sido para
refletir sobre si mesmo na companhia do Senhor, mas parte com objetivo de
anunciar e converter os Nabateus, o que aparentemente não correu muito bem,
algo chamou demasiado a sua atenção e porque queria regressar a Damasco e
passado ainda três anos, as autoridades o queriam preso. Paulo foge e vai para
a capital da Síria – Damasco. Já em Damasco inicia a sua pregação nas
Sinagogas, a par com os discípulos, o que não foi fácil dado que havia algum
receio em aproximarem-se de Paulo, por outro lado, alguma dificuldade até dar
provas verídicas e visíveis da sua conversão ao Cristianismo. Tudo era muito
recente e era preciso algum discernimento. Os
Discípulos, sabendo que os Judeus o queriam morto, ajudam-no a fugir da cidade
e vai para Jerusalém. Passado algum tempo, já em Jerusalém, Paulo visita Cefas
(Pedro) ficando com ele alguns dias a fim de se familiarizar e informar-se com
ele, nesse contexto, encontra também um outro apóstolo – Tiago. Depois de
alguma reflexão com esses apóstolos chegam à conclusão que a Evangelização deve
ser feita, mas em separado, isto é, Paulo, dada a sua universalidade, vai
evangelizar por outros territórios a par dos Apóstolos que conviveram com o
Senhor. «pois aquele que operou em Pedro, para o apostolado dos circuncisos,
operou também em mim, em favor dos gentios». (2Gl 8 – 9) «Só nos
disseram que nos devíamos lembrar dos pobres – o que procurei fazer com o maior
empenho» (2Gl 10).
Em
conclusão, todas as tribulações de Paulo são superadas com base a experiência
do Ressuscitado, no entanto, não se crê que tenha sido tarefa fácil dada as
perseguições, dado o contexto onde o Evangelho é anunciado, dado os perigos e
condições adversas e obstáculos com que faz as viagens em prol da pregação. Não
menos importante, devo dizer, que Paulo sofreu uma transformação doutrinal
completamente nova e diferente daquilo que aprendeu ao longo do tempo com e
como fariseu, ou seja, internamente poderia gerar conflito se Deus não lhe
clarificasse a sua missão, à qual ele foi chamado. Apesar de tudo isto, é
vivido com muito acolhimento pois para Paulo o mais importante estava com ele
até ao fim da sua vida – Jesus Ressuscitado para Glória de Deus.