Breve Síntese sobre a obra de António Augusto dos Santos Marto
O Autor começa por falar sobre as palavras do nosso querido Santo Papa João
Paulo II, destacando que no ano 2000, seria o ano de «Soli Deo gloria», o que por outras palavras significa: «a Glorificação
da Santíssima Trindade da Qual tudo provém e à Qual tudo se orienta no mundo e
na história»[1]
Vemos ao longo da história da
Igreja, o seu caminho em diálogo com os demais saberes e ciências, um percurso
extremamente difícil, não só porque teriam de pensar o problema do Sacramento
teologicamente, e de certa forma cientificamente ao ponto de os dados da fé
serem observáveis e verificáveis, como também, responder de forma coerente aos
desafios que o mundo nos coloca diante das filosofias racionalistas: idealismo
ao qual coloca o homem como centro do conhecimento, é a propensão do espirito
para o devaneio, como que imaginação ou sonho; o próprio deísmo que no fundo,
nos diz que Deus só se encontra na razão desprezando a própria revelação; a par
destas teorias, o Jansenismo que assume traços e doutrinas protestantes,
desvalorizando arbitrariamente alguns elementos doutrinais, a graça era
concedida pela predestinação, o pecado original inclinou o género humano para o
mal, enfim, era impossível verificar e confrontar Deus na pessoa de Jesus. A fé
pensa-se e entende-se com a carne, ou seja, Deus pensa-se sendo-se humano,
Cristo torna-se a própria revelação de Deus e essa revelação foi a maneira mais
humana que poderia ser: nasceu no seio da virgem Maria e se Fez Homem, tal e
qual como professamos no Credo Constantinopolitano.
Antes de abordarmos o tema, julgo ser oportuno nesta fase perceber, em
traços gerais e em forma de introdução, aquilo que é a própria «Eucaristia», o
próprio «Sacramento» e por fim, «Amor Trinitário». Começando pela Eucaristia,
significa uma celebração que nos lembra a morte e ressurreição de Jesus Cristo,
todavia, há muito mais a dizer como veremos ao longo do trabalho desenvolvido;
o «Sacramento» são os mistérios de Deus, é uma combinação inseparável entre
aquilo que o objeto diz de si num modo mais profundo, eu diria, atos cultuais
com significado profundo. Por fim o «Amor Trinitário» seria o união entre o Pai
e o Filho por meio do vinculo do Espirito Santo que é amor.
Portanto, temos sempre que partir do principio estas grandes questões nos
atiram para realidades profundas, e com um significado que é impossível de
apreender na totalidade porque nos transcendem. Estudar a Santíssima Trindade
só se entende estudando cada uma das partes e só se entende a relação que há
entre elas, precisamente pela mutua relação que há entre os elementos
constituintes. A revelação de Deus dá-se no contexto da história da humanidade,
dá-se de forma mais humana possível, nasce da iniciativa de Deus, seguido da
inspiração dos Santos profetas na Sagrada Escritura até atingir a sua culminância
na pessoa de Jesus Cristo, o qual faz recair sobre si todas as prerrogativas da
vida de Israel, sobre o qual recai os sinais da vinda do “Rei Justo” que
salvaria o seu povo, acautelaria o homem do erro, da ignorância, do pecado
enquanto tal. É inevitável não dizer que Jesus é o rosto divino, esta
auto-comunicação que faz de si mesmo, mostra-nos na plenitude a Revelação de
Deus, isto é, se Deus tinha alguma coisa a dizer à humanidade, é por Jesus.
É absolutamente importante falarmos sobre o modo como Jesus atua, que tem a
sua Teologia, permita-me que o diga desta maneira. Quero dizer que a maneira de
Jesus de ser e amar, é ir ao encontro dos seus, de se juntar e “reunir à mesa”,
sobretudo deixar em aberto e permitir que o homem acolha e pense sobre seu modo
de agir; Jesus deixa na iminência a sua divindade e a evidência o seu lado mais
humano. No fundo, ele não faz distinção sobre quem quer que seja que se sente
com ele à mesa, seja pecador ou não, o importante é celebrar ardentemente a
Páscoa, seu desejo mais profundo; Esta comunhão de Jesus, mostra-nos o banquete
escatológico, isto é, abre-nos a derradeira possibilidade de participar
eternamente com Deus-Pai. Todavia, para perceber melhor estes mistérios teremos
de aprofundar melhor o cerne da questão.
Esta entrega que Deus faz de Si pela entrega do Seu próprio filho revela
muito mais que aquilo que possamos imaginar, é mais simples que abstrato, é
mais humano que celestial; estamos perante um amor salvífico sobre o qual, o
próprio filho experimenta a carne, vive humanamente, balanceando a sua
divindade, para que haja a Salvação dos homens. A Eucaristia é este dar-se de
Deus sem reservas, tal e qual como Deus toma a iniciativa de se dar e dar a conhecer
no Seu filho, que torna possível e cognoscível para o homem, a compreensão
daquilo que é o Mistério Pascal.
A Revelação de Deus atinge o seu
clímax, em que por um lado mais nos parece paradoxal por se consumar numa morte
e morte de Cruz, a maior pena sob o jugo romano, mas por outro lado, revela
dimensão do amor por não poupar o seu próprio filho para nos salvar; Obviamente,
que para a época foi um escândalo, e para quem não conhece o Cristianismo,
continua a ser, mas por outro lado, continua a deixar cada vez mais em aberto
todo este mistério, eu diria no limite, um chamado de Deus para O conhecer como
quem: Eu dei a vida por ti e continuo a dá-la.
Deus não quer que se tenha “pena”, mas quer por fim à violência humana. Em
boa verdade, é o próprio Deus que se entrega e mostra que ama e salva, pois se
não fosse desta maneira, não se compreenderia a atitude de Jesus numa entrega
filial sem resservas, como quem saberia que a sua hora estaria para chegar,
como quem ao longo da sua vida, veria o seu sentido ultimo. A própria atitude
de Jesus é vinculativa à intenção de Deus para com o mundo, e esta atitude não
é mais que a comunhão, o amor que há entre o Pai e o Filho – Espirito Santo.
O modo mais evidente desta comunhão revê-se nas palavras de Jesus: «Pai, em tuas mãos entrego o meu Espirito»
(Lc 23,46) e é sobre o madeiro da Cruz que essa entrega assume para sempre o
conteúdo da Morte, Paixão e Ressurreição de Jesus deixando bem explicito, que o
mesmo espirito que une Jesus a Deus-Pai, é agora o mesmo espirito que une o
homem ao criador, o qual só por Jesus é possível o “Ver-a-Deus”. Destaco a
passagem que mais me comoveu e me encheu de alegria: «Eu lhes fiz conhecer o teu nome, e lho farei conhecer mais, para que o amor
com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja» (Jo 17,26). Evidente está
aquilo que é a união hipostática, ou seja, Jesus é da mesma substância que
Deus, consubstancial ao Pai, daí se perceber que o Espirito Santo é o amor
entre o Pai e o Filho.
A Eucaristia é o resumo duma história salvífica em que Deus não cansa de
nos chamar ao encontro, à santidade e à comunhão com Ele, um resumo que vai
desde o Antigo Testamento e atinge o clímax nesta entrega de Jesus presente no
Novo Testamento. A Eucaristia já realizada pelo próprio Jesus é transmitida aos
discípulos, e repare-se que a transmissão é muito mais que uma mera
comunicação, é antes um acolher, viver, refletir e um dar-se a essa experiência
de encontro, de comunhão com o próprio Deus; Ela é Sacramento pois é um dar-se
do próprio Deus aos homens, não é “alguma coisa”, é antes um “Alguém” que se dá
a conhecer e que renova a cada instante todo o nosso ser, ao ponto de nos
darmos conta do nosso verdadeiro sentido de vida; é a nossa própria vida em
atualização com Cristo, ganhando desde logo uma nova dimensão, tanto
espiritual, crente, física-emotiva.
A filiação divina e eterna de Jesus é precisamente o modo como ele viveu: servo
e filho, ofereceu e morreu na Cruz como oblação definitiva, mantida para
sempre, digna de louvor e adoração. Assim sendo, não posso deixar de dizer que
a Eucaristia é como que um movimento descendente, seguido de um movimento
ascendente, à semelhança da própria atitude de Jesus no sentido de pertença ao
Pai, ao Ser de Deus, e neste sentido, é de esperar o retorno, isto é, a nossa
resposta desta iniciativa de Deus.
A Trindade convida à eucaristia, e assim, a Igreja, como corpo místico de
Cristo e também ela sacramental (pois é o altar do mundo), tem Cristo como seu
grande Sacramento, não é mais só a presença real e viva de Cristo, mas que a
todos nos envolve no seu amor trinitário, isto é, que por Jesus é possível a
vida eterna junto do Pai. A Igreja é vista assim num duplo movimento: por um
lado tornamo-nos concelebrantes do seu mistério, que nos implica e nos envolve
no seu amor, e por outro lado, o acolher deste dom oferecido, que participando
nesta comunhão eclesial recebemos a ação de graças: ação salvífica de Deus em
Cristo.
A Eucaristia é acima de tudo um dom de Deus, que se dá permanentemente na
história da humanidade, pois de outro modo não se entenderia a sua única e
própria condescendência. É realmente nossa condição e obrigação, a fim de que todo
mistério seja compreendido e devidamente acolhido, dar graças a Deus por todas
as maravilhas da criação como também a própria salvação, reparemos que até o
próprio mundo nasce e renasce para a vida, a própria natureza ressuscita, o que
no fundo esta é a nossa súplica, é que Deus permita a nossa salvação por Jesus.
É inevitável não pensar no ressuscitado para compreender o mistério da salvação,
pois se Ele torna-se presente na própria Eucaristia, significa que o banquete
terreno que ele tanto desejava e que era pretexto para esta comunhão eclesial (ainda
que subentendida), é agora o banquete celestial, que nos atira para uma
realidade divina. A eucaristia compromete o Cristão e a própria comunidade a
viver fielmente os mistérios de Deus, ela é sobretudo o pão da vida, sustento
espiritual que faz da nossa fé a inabalável confiança no amor de Deus-Pai.