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quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Maria na Formação Intelectual e Espiritual

 

Com esta Carta a Congregação para a Educação Católica, o autor começa por falar da Mariologia como tema essencial no ministério de Cristo e da Sua Igreja. Foi finalmente o Cardeal Konig que fundamentou o estudo sobre a posição e o mistério de Maria como marco teológico, ou seja, como um dado que contribui fundamentalmente para o Mistério de Cristo e no fundo, para a fé da Igreja.[1]

Maria, aparece assim como dado para a Revelação Divina, em que por um lado nos chega pela Sagrada Escritura, isto é, pela Tradição que por sua vez dá origem a uma memória escrita, isto é, à Escritura propriamente dita dos acontecimentos mais marcantes, que revelam a própria ação de Deus em favor dos homens, e por outro lado a Revelação que dá-se em pleno na pessoa de Jesus de Nazaré, o Filho da Virgem, o qual faz recair todas as prerrogativas do povo de Israel, que sobre ele recai os desígnios da salvação, da vinda do Messias que viria resgatar e libertar o seu povo do pecado, Aquele que, por fim, à luz da fé se percebe na integra a Torah, ou seja, o Antigo Testamento que prepara e se percebe no Novo Testamento, não esquecendo que Jesus é o verdadeiro interprete (Hagadah / Halakah) da Palavra, e se Deus tem alguma coisa a dizer ao mundo, é sobre Seu Filho que o faz.

 É importante, neste sentido, destacar o lado humano de Deus que nasce do seio de uma mulher – Maria, a Virgem, e por isso, era de esperar naturalmente que tivesse a sua teologia. Quanto mais aprofundarmos o Mistério em torno de Maria, mais percebemos o Mistério da Encarnação de Deus.

Na Encíclica Redemptoris Mater, do nosso querido Papa João Paulo II, vemos através da passagem de Gal 4,4-6 , que o amor trinitário, isto é, Pai, Filho e Espirito Santo, não coloca de parte o ventre sobre o qual foi gerado o Seu próprio Filho, a fim de que, por Ele possamos de chamar Deus por «Abbá! Pai!», significa assim que Deus é mais humano que aquilo que possamos pensar e que se serviu da Sua humilde Serva, a quem hoje e para sempre chamamos efetivamente de Mãe, pois nas palavras de Jesus, Ele é muito concreto quando se dirige a Maria como mãe do discípulo e ao discípulo, Maria como sua mãe. Eu diria, que no limite, aqui nasce a Igreja, isto é, Maria abraça todos aqueles que acolhem a fé em Seu Filho.

A Lumen Gentium veio contribuir para a revelação divina, trazendo novas perspetivas, novos horizontes teológicos a partir de Maria num retorno ás fontes, sobretudo ao método histórico-critico, quero precisamente frisar o esplêndido, belo e honroso cântico que Maria exprime pela sua boca, as maravilhas que Deus criou nela, no futuro do seu povo e do mundo –  Magnificat ,na visão de Urs von Balthasar.[2] Falar sobre Maria, implica ir ás raízes dos acontecimentos, e vemos algumas passagens dos evangelistas que aludem a Maria como o Símbolo da fé porque se Cristo nasce para nos dar a Salvação, isto é, não mais se separar de Deus, é de supor, portanto, que é em Maria que se dá a união das duas naturezas numa só pessoa – Cristo.

O Concilio diz e determina Maria na missão da Igreja a partir de duas perspetivas, a primeira aquela que é a Theotokos (Mãe de Deus), a Serva Fiel porque coparticipante no acolhimento da sua própria missão que Deus Lhe confia, na Palavra Reveladora - Jesus, pois aponta para o Filho como quem: «Fazei tudo o que Ele vos disser» (Jo 2,5), na obra redentora da humanidade, ou seja, ela é o «Faça-se a Tua vontade e não a minha» (Lc 22,42), eu diria que estamos perante um forte valor teológico que se relaciona diretamente com Cristo. Numa segunda perspetiva, ela é também a discípula, acompanhou sempre os apóstolos e foi para eles um ícone e Símbolo da fé, Mãe de todos os seus filhos[3], portanto, mãe da Igreja, a qual tem de ocupar, por força da sua própria natureza, um lugar especifico para a inspiração no exercício da fé, da esperança e da própria missão da Igreja.

Foi havendo cada vez mais um aprofundamento do papel de Maria na Igreja e já no pós-concilio, determina-se essa posição de não isolamento no mistério de Deus, pelo contrário, contribui e percebe-se melhor tendo em conta que Deus age humanamente. É cada vez mais um caminho que para entender a ação de Deus em Maria, nos deixa sempre em aberto uma vasta interpretação, vejamos que por exemplo, para a teologia dogmática Nosso Senhora é vista em algumas dessas perspetivas: a Imaculada Conceição, Maternidade Divina; Ação de Maria na obra da Salvação, Dogma da Assunção. Num outro aspeto, vemos que Maria é também vista como referência em outras religiões como o Islamismo e por isso, Maria é a expressão não só na liberdade como na obediência e cooperação na obra de Deus, desprezando de uma vez por todas a ideia de que a mulher não tem lugar tão importante quanto o homem, no projeto salvífico.

Maria aparece como elemento-chave para não só interpretar à luz da fé a vinda de Cristo, como também ser um pilar fundamental no sentido de contribuir à Santa Igreja o exemplo de Santidade em que levou a Sua própria vida. A presença Materna de Maria pode ser Operante – cooperação no nascimento dos fieis para a vida na Graça e exemplo no seguimento de Cristo; é também Pastoral porque esteve sempre presente no inicio da vida da Igreja, desde a conceção de Cristo até ás primeiras comunidades Cristãs junto dos apóstolos e continua assim, deste modo nos nossos dias, a ser o exemplo na fidelidade a Deus.

Vemos assim que a Mariologia ou o estudo de Maria à luz das verdades reveladas de Deus, ela espelha-se na Cristologia, isto é, na própria história de Jesus, na sua missão e vida, pois n´Ele se vê a Salvação, a comunhão para a eternidade junto do criador. Maria assume um lugar essencial não só para o estudo da vida e mistério de Cristo, como ela é essencialmente eclesial na medida em que gera vida no crente pela sua própria fé. Maria foi sempre vista também por algum tipo de sentimento pietista, Aquela que, como mãe, intercede por nós a Deus, ao ponto de ela mesma ser vista como a Mãe de Deus, coparticipante na dignidade e glória ao ponto de Ela mesma ter atributos, quer Cristológicos e mesmo divinos, já que Deus a escolheu para se fazer e Ser um de nós.[4]  

Implica agora falarmos um pouco daquilo que é a intervenção de Deus em Maria para que fosse «gerado e não criado» o Seu próprio Filho. Relembremos o momento da visitação de Isabel a Maria, para dizer que, mesmo na tortuosidade da nossa vida, Deus continua a realizar a Sua obra. Se por um lado Isabel era estéril e Maria, virgem, não significa um paralelismo, mas à luz da fé, significa antes que Deus mostra que tudo é Graça, é bênção, é desígnio para salvação do homem e quis que tudo isto ficasse registado.

Se Jesus nasce de uma virgem e que sobre o qual o educou, o ensinou a amar, o fez crescer sob as raízes e costumes judaicos, participou no Shabbat, que falava como ninguém a respeito das “Coisas do Alto”, que criava nas pessoas a missão discipuladora de O seguir, é apreensível, que deste modo, Jesus não era um simples Judeu para o Seu povo. Todavia, o dado biológico não impera sobre o dado Teológico na medida em que não interessa ao mistério e por isso, a própria conceção de Jesus remete-nos para a transcendência, para a espiritualidade que sem esquecer todo o seu mistério, toda a sua Cristologia e também a Soteriologia, não podemos colocar de parte a Mariologia, pois é através dela, que Deus fala de modo mais humano possível; Vemos na Mãe a síntese da divindade e da humanidade, essencialmente como um vínculo que nos volta a Religar e a Reler a nossa imagem e semelhança a Deus.

Termino esta síntese com as palavras de J.Ratzinger: «um nascimento sem intervenção de um pai terrestre é a origem intrinsecamente necessária daquele que podia dizer a Deus “Meu Pai”, daquele que, mesmo sendo homem, era fundamentalmente filho, o Filho desse Pai»[5]



[1] Carvalho, M. (2004). Maria, figura da Graça (p. 94). Lisboa: Universidade Católica Teológicos.

[2] Carvalho, M. (2004). Maria, figura da Graça (p. 97). Lisboa: Universidade Católica Teológicos.

[3] Cf. Jo (19,26-27)

[4] Carvalho, M. (2004). Maria, figura da Graça (p. 103). Lisboa: Universidade Católica Teológicos.

[5] Benedicto. (1977). Die Tochter Zion. Einsiedeln: Johannes Verlag. (p.49)

sábado, 19 de dezembro de 2020

A Eucaristia - Sacramento de Amor Trinitário

 Breve Síntese sobre a obra de António Augusto dos Santos Marto


O Autor começa por falar sobre as palavras do nosso querido Santo Papa João Paulo II, destacando que no ano 2000, seria o ano de «Soli Deo gloria», o que por outras palavras significa: «a Glorificação da Santíssima Trindade da Qual tudo provém e à Qual tudo se orienta no mundo e na história»[1]

            Vemos ao longo da história da Igreja, o seu caminho em diálogo com os demais saberes e ciências, um percurso extremamente difícil, não só porque teriam de pensar o problema do Sacramento teologicamente, e de certa forma cientificamente ao ponto de os dados da fé serem observáveis e verificáveis, como também, responder de forma coerente aos desafios que o mundo nos coloca diante das filosofias racionalistas: idealismo ao qual coloca o homem como centro do conhecimento, é a propensão do espirito para o devaneio, como que imaginação ou sonho; o próprio deísmo que no fundo, nos diz que Deus só se encontra na razão desprezando a própria revelação; a par destas teorias, o Jansenismo que assume traços e doutrinas protestantes, desvalorizando arbitrariamente alguns elementos doutrinais, a graça era concedida pela predestinação, o pecado original inclinou o género humano para o mal, enfim, era impossível verificar e confrontar Deus na pessoa de Jesus. A fé pensa-se e entende-se com a carne, ou seja, Deus pensa-se sendo-se humano, Cristo torna-se a própria revelação de Deus e essa revelação foi a maneira mais humana que poderia ser: nasceu no seio da virgem Maria e se Fez Homem, tal e qual como professamos no Credo Constantinopolitano.

Antes de abordarmos o tema, julgo ser oportuno nesta fase perceber, em traços gerais e em forma de introdução, aquilo que é a própria «Eucaristia», o próprio «Sacramento» e por fim, «Amor Trinitário». Começando pela Eucaristia, significa uma celebração que nos lembra a morte e ressurreição de Jesus Cristo, todavia, há muito mais a dizer como veremos ao longo do trabalho desenvolvido; o «Sacramento» são os mistérios de Deus, é uma combinação inseparável entre aquilo que o objeto diz de si num modo mais profundo, eu diria, atos cultuais com significado profundo. Por fim o «Amor Trinitário» seria o união entre o Pai e o Filho por meio do vinculo do Espirito Santo que é amor.

Portanto, temos sempre que partir do principio estas grandes questões nos atiram para realidades profundas, e com um significado que é impossível de apreender na totalidade porque nos transcendem. Estudar a Santíssima Trindade só se entende estudando cada uma das partes e só se entende a relação que há entre elas, precisamente pela mutua relação que há entre os elementos constituintes. A revelação de Deus dá-se no contexto da história da humanidade, dá-se de forma mais humana possível, nasce da iniciativa de Deus, seguido da inspiração dos Santos profetas na Sagrada Escritura até atingir a sua culminância na pessoa de Jesus Cristo, o qual faz recair sobre si todas as prerrogativas da vida de Israel, sobre o qual recai os sinais da vinda do “Rei Justo” que salvaria o seu povo, acautelaria o homem do erro, da ignorância, do pecado enquanto tal. É inevitável não dizer que Jesus é o rosto divino, esta auto-comunicação que faz de si mesmo, mostra-nos na plenitude a Revelação de Deus, isto é, se Deus tinha alguma coisa a dizer à humanidade, é por Jesus.

É absolutamente importante falarmos sobre o modo como Jesus atua, que tem a sua Teologia, permita-me que o diga desta maneira. Quero dizer que a maneira de Jesus de ser e amar, é ir ao encontro dos seus, de se juntar e “reunir à mesa”, sobretudo deixar em aberto e permitir que o homem acolha e pense sobre seu modo de agir; Jesus deixa na iminência a sua divindade e a evidência o seu lado mais humano. No fundo, ele não faz distinção sobre quem quer que seja que se sente com ele à mesa, seja pecador ou não, o importante é celebrar ardentemente a Páscoa, seu desejo mais profundo; Esta comunhão de Jesus, mostra-nos o banquete escatológico, isto é, abre-nos a derradeira possibilidade de participar eternamente com Deus-Pai. Todavia, para perceber melhor estes mistérios teremos de aprofundar melhor o cerne da questão.

Esta entrega que Deus faz de Si pela entrega do Seu próprio filho revela muito mais que aquilo que possamos imaginar, é mais simples que abstrato, é mais humano que celestial; estamos perante um amor salvífico sobre o qual, o próprio filho experimenta a carne, vive humanamente, balanceando a sua divindade, para que haja a Salvação dos homens. A Eucaristia é este dar-se de Deus sem reservas, tal e qual como Deus toma a iniciativa de se dar e dar a conhecer no Seu filho, que torna possível e cognoscível para o homem, a compreensão daquilo que é o Mistério Pascal.

            A Revelação de Deus atinge o seu clímax, em que por um lado mais nos parece paradoxal por se consumar numa morte e morte de Cruz, a maior pena sob o jugo romano, mas por outro lado, revela dimensão do amor por não poupar o seu próprio filho para nos salvar; Obviamente, que para a época foi um escândalo, e para quem não conhece o Cristianismo, continua a ser, mas por outro lado, continua a deixar cada vez mais em aberto todo este mistério, eu diria no limite, um chamado de Deus para O conhecer como quem: Eu dei a vida por ti e continuo a dá-la.

Deus não quer que se tenha “pena”, mas quer por fim à violência humana. Em boa verdade, é o próprio Deus que se entrega e mostra que ama e salva, pois se não fosse desta maneira, não se compreenderia a atitude de Jesus numa entrega filial sem resservas, como quem saberia que a sua hora estaria para chegar, como quem ao longo da sua vida, veria o seu sentido ultimo. A própria atitude de Jesus é vinculativa à intenção de Deus para com o mundo, e esta atitude não é mais que a comunhão, o amor que há entre o Pai e o Filho – Espirito Santo.

O modo mais evidente desta comunhão revê-se nas palavras de Jesus: «Pai, em tuas mãos entrego o meu Espirito» (Lc 23,46) e é sobre o madeiro da Cruz que essa entrega assume para sempre o conteúdo da Morte, Paixão e Ressurreição de Jesus deixando bem explicito, que o mesmo espirito que une Jesus a Deus-Pai, é agora o mesmo espirito que une o homem ao criador, o qual só por Jesus é possível o “Ver-a-Deus”. Destaco a passagem que mais me comoveu e me encheu de alegria: «Eu lhes fiz conhecer o teu nome, e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja» (Jo 17,26). Evidente está aquilo que é a união hipostática, ou seja, Jesus é da mesma substância que Deus, consubstancial ao Pai, daí se perceber que o Espirito Santo é o amor entre o Pai e o Filho.

A Eucaristia é o resumo duma história salvífica em que Deus não cansa de nos chamar ao encontro, à santidade e à comunhão com Ele, um resumo que vai desde o Antigo Testamento e atinge o clímax nesta entrega de Jesus presente no Novo Testamento. A Eucaristia já realizada pelo próprio Jesus é transmitida aos discípulos, e repare-se que a transmissão é muito mais que uma mera comunicação, é antes um acolher, viver, refletir e um dar-se a essa experiência de encontro, de comunhão com o próprio Deus; Ela é Sacramento pois é um dar-se do próprio Deus aos homens, não é “alguma coisa”, é antes um “Alguém” que se dá a conhecer e que renova a cada instante todo o nosso ser, ao ponto de nos darmos conta do nosso verdadeiro sentido de vida; é a nossa própria vida em atualização com Cristo, ganhando desde logo uma nova dimensão, tanto espiritual, crente, física-emotiva.

A filiação divina e eterna de Jesus é precisamente o modo como ele viveu: servo e filho, ofereceu e morreu na Cruz como oblação definitiva, mantida para sempre, digna de louvor e adoração. Assim sendo, não posso deixar de dizer que a Eucaristia é como que um movimento descendente, seguido de um movimento ascendente, à semelhança da própria atitude de Jesus no sentido de pertença ao Pai, ao Ser de Deus, e neste sentido, é de esperar o retorno, isto é, a nossa resposta desta iniciativa de Deus.

A Trindade convida à eucaristia, e assim, a Igreja, como corpo místico de Cristo e também ela sacramental (pois é o altar do mundo), tem Cristo como seu grande Sacramento, não é mais só a presença real e viva de Cristo, mas que a todos nos envolve no seu amor trinitário, isto é, que por Jesus é possível a vida eterna junto do Pai. A Igreja é vista assim num duplo movimento: por um lado tornamo-nos concelebrantes do seu mistério, que nos implica e nos envolve no seu amor, e por outro lado, o acolher deste dom oferecido, que participando nesta comunhão eclesial recebemos a ação de graças: ação salvífica de Deus em Cristo.

A Eucaristia é acima de tudo um dom de Deus, que se dá permanentemente na história da humanidade, pois de outro modo não se entenderia a sua única e própria condescendência. É realmente nossa condição e obrigação, a fim de que todo mistério seja compreendido e devidamente acolhido, dar graças a Deus por todas as maravilhas da criação como também a própria salvação, reparemos que até o próprio mundo nasce e renasce para a vida, a própria natureza ressuscita, o que no fundo esta é a nossa súplica, é que Deus permita a nossa salvação por Jesus. É inevitável não pensar no ressuscitado para compreender o mistério da salvação, pois se Ele torna-se presente na própria Eucaristia, significa que o banquete terreno que ele tanto desejava e que era pretexto para esta comunhão eclesial (ainda que subentendida), é agora o banquete celestial, que nos atira para uma realidade divina. A eucaristia compromete o Cristão e a própria comunidade a viver fielmente os mistérios de Deus, ela é sobretudo o pão da vida, sustento espiritual que faz da nossa fé a inabalável confiança no amor de Deus-Pai.



[1] João Paulo II, Tertio Millennio Adventiente, n.55.