Com esta Carta a
Congregação para a Educação Católica, o autor começa por falar da Mariologia
como tema essencial no ministério de Cristo e da Sua Igreja. Foi finalmente o
Cardeal Konig que fundamentou o estudo sobre a posição e o mistério de Maria
como marco teológico, ou seja, como um dado que contribui fundamentalmente para
o Mistério de Cristo e no fundo, para a fé da Igreja.[1]
Maria, aparece assim
como dado para a Revelação Divina, em que por um lado nos chega pela Sagrada
Escritura, isto é, pela Tradição que por sua vez dá origem a uma memória
escrita, isto é, à Escritura propriamente dita dos acontecimentos mais
marcantes, que revelam a própria ação de Deus em favor dos homens, e por outro
lado a Revelação que dá-se em pleno na pessoa de Jesus de Nazaré, o Filho da
Virgem, o qual faz recair todas as prerrogativas do povo de Israel, que sobre
ele recai os desígnios da salvação, da vinda do Messias que viria resgatar e
libertar o seu povo do pecado, Aquele que, por fim, à luz da fé se percebe na
integra a Torah, ou seja, o Antigo Testamento que prepara e se percebe no Novo
Testamento, não esquecendo que Jesus é o verdadeiro interprete (Hagadah /
Halakah) da Palavra, e se Deus tem alguma coisa a dizer ao mundo, é sobre Seu
Filho que o faz.
É importante, neste sentido, destacar o lado
humano de Deus que nasce do seio de uma mulher – Maria, a Virgem, e por isso,
era de esperar naturalmente que tivesse a sua teologia. Quanto mais
aprofundarmos o Mistério em torno de Maria, mais percebemos o Mistério da
Encarnação de Deus.
Na Encíclica Redemptoris Mater, do nosso querido Papa
João Paulo II, vemos através da passagem de Gal 4,4-6 , que o amor trinitário,
isto é, Pai, Filho e Espirito Santo, não coloca de parte o ventre sobre o qual
foi gerado o Seu próprio Filho, a fim de que, por Ele possamos de chamar Deus
por «Abbá! Pai!», significa assim que Deus é mais humano que aquilo que
possamos pensar e que se serviu da Sua humilde Serva, a quem hoje e para sempre
chamamos efetivamente de Mãe, pois nas palavras de Jesus, Ele é muito concreto
quando se dirige a Maria como mãe do discípulo e ao discípulo, Maria como sua
mãe. Eu diria, que no limite, aqui nasce a Igreja, isto é, Maria abraça todos
aqueles que acolhem a fé em Seu Filho.
A Lumen Gentium veio contribuir para a
revelação divina, trazendo novas perspetivas, novos horizontes teológicos a
partir de Maria num retorno ás fontes, sobretudo ao método histórico-critico,
quero precisamente frisar o esplêndido, belo e honroso cântico que Maria
exprime pela sua boca, as maravilhas que Deus criou nela, no futuro do seu povo
e do mundo – Magnificat ,na visão de Urs von Balthasar.[2]
Falar sobre Maria, implica ir ás raízes dos acontecimentos, e vemos algumas
passagens dos evangelistas que aludem a Maria como o Símbolo da fé porque se
Cristo nasce para nos dar a Salvação, isto é, não mais se separar de Deus, é de
supor, portanto, que é em Maria que se dá a união das duas naturezas numa só
pessoa – Cristo.
O Concilio diz e
determina Maria na missão da Igreja a partir de duas perspetivas, a primeira
aquela que é a Theotokos (Mãe de
Deus), a Serva Fiel porque coparticipante no acolhimento da sua própria missão
que Deus Lhe confia, na Palavra Reveladora - Jesus, pois aponta para o Filho
como quem: «Fazei tudo o que Ele vos
disser» (Jo 2,5), na obra redentora da humanidade, ou seja, ela é o «Faça-se a Tua vontade e não a minha» (Lc
22,42), eu diria que estamos perante um forte valor teológico que se relaciona
diretamente com Cristo. Numa segunda perspetiva, ela é também a discípula,
acompanhou sempre os apóstolos e foi para eles um ícone e Símbolo da fé, Mãe de
todos os seus filhos[3],
portanto, mãe da Igreja, a qual tem de ocupar, por força da sua própria
natureza, um lugar especifico para a inspiração no exercício da fé, da
esperança e da própria missão da Igreja.
Foi havendo cada vez
mais um aprofundamento do papel de Maria na Igreja e já no pós-concilio,
determina-se essa posição de não isolamento no mistério de Deus, pelo
contrário, contribui e percebe-se melhor tendo em conta que Deus age
humanamente. É cada vez mais um caminho que para entender a ação de Deus em
Maria, nos deixa sempre em aberto uma vasta interpretação, vejamos que por
exemplo, para a teologia dogmática Nosso Senhora é vista em algumas dessas
perspetivas: a Imaculada Conceição, Maternidade Divina; Ação de Maria na obra
da Salvação, Dogma da Assunção. Num outro aspeto, vemos que Maria é também
vista como referência em outras religiões como o Islamismo e por isso, Maria é
a expressão não só na liberdade como na obediência e cooperação na obra de
Deus, desprezando de uma vez por todas a ideia de que a mulher não tem lugar
tão importante quanto o homem, no projeto salvífico.
Maria aparece como
elemento-chave para não só interpretar à luz da fé a vinda de Cristo, como
também ser um pilar fundamental no sentido de contribuir à Santa Igreja o
exemplo de Santidade em que levou a Sua própria vida. A presença Materna de
Maria pode ser Operante – cooperação no nascimento dos fieis para a vida na
Graça e exemplo no seguimento de Cristo; é também Pastoral porque esteve sempre
presente no inicio da vida da Igreja, desde a conceção de Cristo até ás
primeiras comunidades Cristãs junto dos apóstolos e continua assim, deste modo
nos nossos dias, a ser o exemplo na fidelidade a Deus.
Vemos assim que a
Mariologia ou o estudo de Maria à luz das verdades reveladas de Deus, ela
espelha-se na Cristologia, isto é, na própria história de Jesus, na sua missão
e vida, pois n´Ele se vê a Salvação, a comunhão para a eternidade junto do
criador. Maria assume um lugar essencial não só para o estudo da vida e
mistério de Cristo, como ela é essencialmente eclesial na medida em que gera
vida no crente pela sua própria fé. Maria foi sempre vista também por algum
tipo de sentimento pietista, Aquela que, como mãe, intercede por nós a Deus, ao
ponto de ela mesma ser vista como a Mãe de Deus, coparticipante na dignidade e
glória ao ponto de Ela mesma ter atributos, quer Cristológicos e mesmo divinos,
já que Deus a escolheu para se fazer e Ser um de nós.[4]
Implica agora
falarmos um pouco daquilo que é a intervenção de Deus em Maria para que fosse
«gerado e não criado» o Seu próprio Filho. Relembremos o momento da visitação
de Isabel a Maria, para dizer que, mesmo na tortuosidade da nossa vida, Deus
continua a realizar a Sua obra. Se por um lado Isabel era estéril e Maria,
virgem, não significa um paralelismo, mas à luz da fé, significa antes que Deus
mostra que tudo é Graça, é bênção, é desígnio para salvação do homem e quis que
tudo isto ficasse registado.
Se Jesus nasce de
uma virgem e que sobre o qual o educou, o ensinou a amar, o fez crescer sob as raízes
e costumes judaicos, participou no Shabbat, que falava como ninguém a respeito
das “Coisas do Alto”, que criava nas pessoas a missão discipuladora de O
seguir, é apreensível, que deste modo, Jesus não era um simples Judeu para o
Seu povo. Todavia, o dado biológico não impera sobre o dado Teológico na medida
em que não interessa ao mistério e por isso, a própria conceção de Jesus
remete-nos para a transcendência, para a espiritualidade que sem esquecer todo
o seu mistério, toda a sua Cristologia e também a Soteriologia, não podemos
colocar de parte a Mariologia, pois é através dela, que Deus fala de modo mais
humano possível; Vemos na Mãe a síntese da divindade e da humanidade,
essencialmente como um vínculo que nos volta a Religar e a Reler a nossa imagem
e semelhança a Deus.
Termino esta síntese
com as palavras de J.Ratzinger: «um nascimento sem intervenção de um pai
terrestre é a origem intrinsecamente necessária daquele que podia dizer a Deus “Meu
Pai”, daquele que, mesmo sendo homem, era fundamentalmente filho, o Filho desse
Pai»[5]
[1] Carvalho, M. (2004). Maria, figura da Graça (p.
94). Lisboa: Universidade Católica Teológicos.
[2] Carvalho, M. (2004). Maria, figura da Graça (p.
97). Lisboa: Universidade Católica Teológicos.
[3] Cf. Jo (19,26-27)
[4] Carvalho, M. (2004). Maria, figura da Graça (p.
103). Lisboa: Universidade Católica Teológicos.
[5] Benedicto. (1977). Die Tochter Zion. Einsiedeln: Johannes Verlag. (p.49)